A revista Bizz preparou uma seleção daqueles que considerou os melhores álbuns de rock de todos os tempos. E chamou esta coleção de discoteca básica. Há alguns anos adquiri um catálogo de cds que continha parte desta lista. Todos os discos que comprei e que fazem parte da lista são excepcionais. A lista que pude obter do catálogo - não está completa, não é a lista total da revista!! - pode ser enviada ao seu computador. Está feita em documento word, sem macros, e é apenas uma tabela com nomes dos artistas, álbuns e o número da revista onde saiu o comentário sobre o álbun.

Se quiser esta lista, clique aqui

 

Comentários da revista Bizz sobre alguns discos listados em sua discoteca básica e que eu tenho.

Pink Floyd
The Dark Side of the Moon (1973)

Polêmico, este disco. Gravita entre a absoluta adoração de sues fiéis e a crítica não menos feroz dos seus detratores. É bom sinal. Será mesmo a Grande Obra de Roger Waters (baixo, vocal), Rick Wright (teclados), David Gilmour (guitarra, vocal) e Nick Mason (bateria)? Alguns poderão preferir "The Piper at the Gates of Dawn", de 1967, o primeiro LP da banda, quando seu líder era um louco iluminado e genial chamado Syd Barrett, ou ainda Ummagumma, de 1970, a soma definitiva do rock psicodélico. Quem sabe os mais de 20 milhões de cópias de "Dark Side..." vendidas no mundo inteiro e sua permanência por 714 semanas consecutivas nas listas dos mais vendidos da Bilboard - recorde absoluto - possam ratificar essa escolha. Mesmo que as más-línguas digam que muitos o adquiriram apenas para testar a estéreo-quadrifonia de seu equipamento de som... o que não deixa de ser um elogio, de certa forma.

Foram oito meses de gestação nos famosos estúdios Abbey Road de Londres, em clima geral de renovação. A palavra de ordem: a música deveria ser mais amarrada, mais próxima à urgência do rock. Ao final de 1972, o material está pronto. Para fazer a mixagem, Roger Waters chama Chris Thomas, que já havia participado da mixagem do duplo álbum "branco" dos Beatles e produzido os LPs "Grand Hotel", do Procol Harum, e "For Your Pleasure", do Roxy Music. "Cada um tinha uma idéia diferente do que devia ser feito. Precisavam fazer a síntese de tudo isso." Todos concordavam com pelo menos uma coisa - a ordem dos títulos deveria transmitir uma idéia de progressão e variação em torno de um mesmo tema: "São todas as pressões da vida moderna que podem nos levar à loucura. Essas pressões têm por nome dinheiro, viagens, planejamento, que nós músicos sentimos muito mais que o homem da rua. Quando tudo vacila, chega-se ao estado patológico do lunático" (David Gilmour). Pela primeira vez o Pink Floyd aderia ao concept album.

Todas as faixas foram concebidas como filmes sonoros, feitos de bandas magnéticas preparadas por Nick Mason. Batidas de coração, respiração, passos, relógios, risos histéricos, gritos, moedas caindo e caixas registradoras não somente servem de ilustração como se integram à própria estrutura rítmica da cada composição, em particular na seqüência "Speak With Me"/ "Breathe"/ "On The Run" e em "Money", hit entre os hits. Se a força da evocação desses sons é extraordinária, eles não interferem com os momentos mais líricos do álbum, como em "The Great Gig in the Sky", onde, sobre fundo de piano e órgão Hammond, Clare Torry edifica uma interpretação vocal que ficará entre as mais pungentes e líricas da década. Em "Brain Damage", Roger Waters tece uma vibrante homenagem a Syd Barrett, numa reconstituição poética atormentada do universo poético da alienação.

Se "Dark Side..." parece trazer uma certa pasteurização do som da banda, se os caleidoscópios de cores que dominavam as longas viagens lisérgicas dos LPs precedentes se transformaram num prisma de onde as cores surgem ordenadas e limpas (uma metáfora certeira para descrever a nova importância do estúdio, agora transformado em espaço central de criação, o que torna a música mais artificial e deixa seus autores mais distantes), em compensação, os avanços técnicos primorosos exibidos por este álbum - em particular a tomada de som, a cargo de um certo Alan Parsons... - ajudaram a banda a alcançar uma força de expressão cósmica capaz de unir o passado à modernidade, que só encontra paralelo num disco lançado por coincidência no mesmo ano, a trilha sonora de "Laranja Mecânica".

Levantando as barreiras que opunham até então as gerações musicais, Pink Floyd joga as bases para a criação de uma música ao mesmo tempo moderna e universal.

Jean-Yves de Neufville

Led Zeppelin
Physical Grafitti (1975)

Uma escolha que pode contrariar muita gente entre as viúvas do Led que ainda hoje habitam o planeta. Afinal, não existe nenhuma razão para se excluir de qualquer "discoteca básica" os quatro primeiros LPs do grupo. Desde sua estréia em vinil, com "Led Zeppelin I" (68), o quarteto já traz todos os extremos para que aponta a gula estilística do maestro Jimmy Page - do rockabilly ao folk de raízes celtas, passando por blues épicos como tratores encharcados de combustíveis ilícitos. Sem contar, claro, com a cristalização do gênero que seria batizado como heavy metal (pelo que, talvez, a História nunca os perdoe).

Seja como for, "Physical Grafitti" foi o único disco que eu me arrependi de ter jogado fora quando - há uns cinco, seis anos - tive um acesso de limpeza provocado pela audição ininterrupta de Talking Heads e Joy Division e pelos ideais do levante de 77. É verdade - nesta fatídica data, eu doei a coleção completa do Led, e só não tinha nenhum pirata por falta de grana. Eles viraram, de fato, os Judas favoritos dos punks - do sexismo arrogante de Robert Plant e do virtuosismo de Page ao sucesso medido em pilhas de platina, representavam tudo o que havia de errado com o rock'n'roll na primeira metade da década de 70.

Noutra data fatídica, porém, eu simplesmente tive de entrar na primeira lojinha de discos para comprar um Physical Grafitti novo em folha, antes que a saudade matasse.

Está lá, levadas às últimas conseqüências, a potência monolítica porém filigranada que sempre foi o segredo e o veneno da banda. Junto com o momento máximo do produtor Jimmy Page - e é aí que a porca chamada História torce o rabo.

Contemporâneo e amigo de Beck e Clapton uns cinco anos antes de entrar para os Yardbirds, Jimmy - por motivos de saúde - não foi pulando para dentro da primeira banda de blues psicodélico que passou pela porta de sua casa. Ao contrário, fez carreira como músico de estúdio até aperfeiçoar-se como arranjador e produtor de grupos como os Stones, os Kinks e o Who. Sem nenhum crédito por isso, é bem provável que tenha sido o legítimo criador do rhythmÕn'blues mod(erninho) que a velha Inglaterra espalhou para o mundo no começo dos 60. O que já bastaria para colocá-lo pau a pau com Hendrix entre os guitarristas de sua geração.

Quando entrou para o Led, portanto, Jimmy não só tocava como um demônio - fosse com a palheta, com os dedos ou com seu arco de violino -, como conhecia estúdios e eletrônica musical de A a Z. Foi o homem, enfim, que introduziu no rock o theremin - um instrumento eletrônico da década de 30, deixado às traças com a invenção do sintetizador.

Sobrepondo guitarras e guitarras com timbres tratados diferentemente, criou um turbilhão wagneriano que atinge o gozo final nos três tours-de-force monumentais de "Physical Grafitti". "Kashmir" e "In the Light" atacam escalas orientais com performances demolidoras dos exagerados Plant e Bonham, contrabalançadas pela finesse climática de John Paul Jones no baixo e - principalmente nessas duas faixas - nos teclados. A terceira, "In My Time of Dying", era um belo spiritual recuperado por Bob Dylan. Era, porque a bordo do "zepelim de chumbo" se transforma numa exaltação simultaneamente heróica e debochada, com o histriônico Plant implorando aos berros pela presença de Jesus e do Arcanjo Gabriel. Paroxismo é isso aí, principalmente para uma garganta acostumada a simular orgasmos múltiplos.

Junto a rocks concisos e musculosos como "Custard Pie" e "Trampled Underfoot", não precisava mais. Aí o grupo resolveu acoplar sobras dos LPs anteriores - algumas, meras jams -, transformando Physical Grafitti num álbum duplo que não tem (surpresa!) sequer um sulco supérfluo.

José Augusto Lemos

King Crimson
In the Court of the Crimson King (1969)

É noite de 3 de julho de 1969, e o corpo de Brian Jones, o inconformado fundador dos Rolling Stones, é encontrado boiando na piscina da sua mansão. O início do fim de uma era: dali a dois anos exatos, morreria também Jim Morrison, em sua banheira. E, entre os dois, Jimi e Janis...

De volta a 69. 5 de julho, Hyde Park, Londres. Realiza-se um show dos Stones (o primeiro em dois anos), marcado havia tempos, em homenagem a Brian. Seiscentos e cinqüenta mil fãs presentes. E, no entanto, quem rouba a cena é uma banda nova. Nem por isso menos pretensiosa. King Crimson, rei rubro de sangue, o som da nova era. Um som reflexivo, "autoconsciente", na definição do guitarrista, um certo Robert Fripp. Um sujeito que tinha sido cumprimentado pelo próprio Hendrix ("Toca aqui com a esquerda, cara, que é a mão mais próxima do meu coração"É) após uma apresentação.

A Island Records não descuidou dos rapazes. Muito rápido, a 10 de outubro, o LP "In the Court of the Crimson King" estava gravado e distribuído. Sucesso pleno de crítica e de público. E nem eram tão originais assim - as faixas longas, amarradas por um único tema, os flertes com o jazz e com a música erudita (principalmente com os autores românticos, mas com espaço até para pinceladas de música concreta, em "Moonchild") não eram propriamente novidade. Moody Blues (quanto às suítes românticas), Soft Machine (quanto à fusões com o jazz), Pink Floyd (quanto à música esparsa e climática), entre outros, já se lançavam nesses caminhos. De resto, abertos pelos Beatles desde "Revolver" e "Seargeant Pepper's". Tudo bem, "In the CourtÉ" atirava em todas as direções. E a capa, essa tornou-se uma das images mais marcantes do rock. Mas o fio que costurava aquilo tudo era uma cordaÉ de guitarra.

O time era simpático, eficiente, e freqüentemente inspirado: o jovem baterista de conservatório Michael Giles; o tecladista e soprista Ian McDonald, o mais experiente deles; o garotão Greg Lake, colega de Fripp, no baixo e na voz. E as más letras de Peter Sinfield, de um surrealismo ingênuo e chocho. Seria a vez do desenxabido rock classe média sucedendo a pauleira proletária?

Não. Havia Fripp, e a guitarra de Fripp alimentava-se de um fluxo subterrâneo, obcecante, capaz de eletrizar mesmo as passagens mais líricas. Confira-se, pela negativa, no LP (anterior) de Giles, Giles & Fripp, onde o monopólio dos irmãos continha o guitarrista. Ou no LP (posterior) McDonald & Giles, com a dissidência do Crimson. Superficialmente a música se parece, e no entantoÉ

O disco abre às pauladas com "21st Century Schizoid Man", um tema guitarrístico, heavy mesmo. Um, dois versos cantados por uma voz embutida na mixagem, claustrofóbica, e o instrumental rouba a liberdade do jazz, derramando-se por várias passagens sem tirar o pé. Os metais soam como uma big band enlouquecida, em meio à tempestade de texturas providenciadas por todos os ancestrais dos sintetizadores. Mais um verso, e conclui com uma explosão, retrato sonoro do tal esquizóide, uma prévia do que há hoje entre o hardcore e a no wave. Puff. O resto é belo. Ponto.

Pecam, às vezes, e é pela pompa excessiva da voz de Lake e dos trechos mais melosos. O retrato do que viria a ser o rock progressivo, com todas as virtudes e, já, alguns vícios. Aqui, os inúmeros movimentos ainda formavam um todo orgânico, com crescendos, solos coletivos e finais falsos como alternativa ao formato-canção. Depois, o próprio Crimson se confundiria - fazendo "trilha para anúncio de desodorante íntimo", segundo a revista Rolling Stone. Mas até se recuperaria: o LP "Larks Tongues in Aspic" é assunto para outra "Discoteca Básica".

Alex Antunes

The Jimi Hendrix Experience
Electric Ladyland (1968)

Hendrix transformou a linguagem e expandiu os horizontes da guitarra elétrica no rock. Sua concepção musical transpunha as fronteiras das classificações, resgatando toda a tradição da música negra, ao mesmo tempo que apontava as principais tendências que viriam a emergir na década de 70 (heavy metal, jazz-rock, progressivo). A naturalidade com que arrancava - de inúmeras maneiras - inacreditáveis solos de sua Fender e criava melodias com efeitos de pedais e microfonias, era espantosa. Jimi ao vivo - incendiário em Monterey ou lançando bombas no Hino Nacional americano em Woodstock - fazia de sua guitarra uma extensão de seu próprio corpo e alma.

Mas também existia um "outro" Jimi: aquele dos estúdios e jam sessions, um experimentador fascinado pelo desenvolvimento das técnicas de gravação e efeitos, e que mais tarde montaria seu próprio estúdio (o Electric Lady, em Nova York). A interação mais perfeita dessas duas facetas de Jimi ocorre exatamente no terceiro e último álbum que ele gravou com o Experience: o duplo "Electric Lady Land". O seu primeiro LP era pura explosão: uma transposição para o vinil da energia em estado bruto que emanava do som de Hendrix. Depois veio "Axis: Bold as Love", com seus temas lisérgicos e maior elaboração no trabalho de estúdio, através de recursos técnicos então inovadores como o pan (efeito de estéreo em que um som passa de um canal a outro).

Em "Eletric Ladyland" estes experimentos de estúdios foram levados adiante. Mais do que nunca, Jimi sentia-se à vontade para ousar. Isso já se nota superposição de efeitos da vinheta introdutória "And the Gods Made Love". "Você já esteve na terra das mulheres elétricas/ O tapete mágico espera por você/ Então não se atrase" canta Jimi na faixa título. É o convite para uma imagem que segue através do tráfego da cidade e depois envereda pelo blues rasgado em "Voodoo Chile". O lado 2 começa com duas boas canções, mas menores em relação ao conjunto: "Little Miss Strange" (do baixista Noel Redding) e "Long Hot Summer Night". Mas ganha corpo novamente a partir de uma versão de "Come On" de Earl King e torna a brilhar no funk sincopado de "Gipsy Eyes" e nas linhas melódicas de "The Burning of the Midnight Lamp".

O segundo disco começa com a longa introdução tendendo para o blues de "Rainy Day, Dream Away"; o lado 3 conta apenas com mais duas músicas, que na verdade são uma única suíte, na qual vários climas se sucedem de maneira sublime. No último lado do disco há "Still Raining, Still Dreaming" - uma recriação da faixa que abre o lado 3 - que é seguida pelo pique de "Houses Burning Down", para encerrar-se com duas faixas geniais: "All Along the Watochtower", a versão definitiva da canção de Dylan, e "Voodoo Chile (Slight Return)", outra recriação estupenda que abre espaço para novos vôos de Hendrix. Esse disco expõe as "drogas" mais pesadas que fizeram sua cabeça: blues, funk e rock'n'roll. Uma fórmula simples, que ele "dosava" com sua guitarra, seu fuzz e seu wah-wah. Só mesmo Syd Barrett conseguiu (um ano antes) pintar com cores psicodélicas um painel tão significativo, tão adiante das manias musicais da época - como o blues branco e o rhythm & blues.

O lançamento de "Electric Lady Land" coincidiu com o fim do Experience (Jimi, Noel e Mitch Mitchell na bateria). Hendrix iria montar a Band Of Gipsies, com o baixista Billy Cox e batera Buddy Miles (ex-Eletric Flag), gravando um disco ao vivo do show realizado no Fillmore East (em Nova York) na noite de ano novo 69/70. Novamente com Mitchell no lugar de Buddy Miles, Jimi faria "The Cry of Love", seu último disco antes de morrer repentinamente aos 27 anos (18/09/70). Uma vida curta, um enorme legado.

Celso Pucci

The Doors
The Doors (1967)

Venice, Califórnia, julho de 65. Ray Manzarek, 30 anos, tecladista, encontra na praia seu amigo James Douglas Morrison, 21 anos, estudante na Universidade da Califórnia, amante da poesia de Blake e da filosofia de Nietzsche. Jim diz a Ray que anda compondo poemas. E canta uma estrofe: "Vamos nadar para a lua/ Vamos montar a maré/ Penetrar no fundo da noite/ Que o sono da cidade esconde." Ray perde a respiração. Conversam. E naquele dia, na praia, surge o conceito/ idéia/ banda The Doors, em cima de uma expressão de um poema de Blake e do livro de Huxley sobre a mescalina, "As Portas da Percepção". Louvado seja aquele dia. E maldito. Porque com os Doors nasceu uma das mais espantosas viagens, na história da música popular, em torno de temas perenes: medo, terror, pavor, violência, a culpa sem possibilidade de redenção, os desencontrados do amor e a inevitabilidade da morte.

O magnetismo animal e manipulações do inconsciente coletivo de Morrison excitavam homens e mulheres a níveis da absoluta selvageria. Era uma atmosfera lisérgica, um eterno "retorno do reprimido", uma catarse ritualística, uma política carregada de eletricidade.

"The Doors", lançado nos EUA em janeiro de 67, com a psicodelia rachando os neurônios da garotada planetária, já continha todas as sementes da destruição posterior. Ainda hoje, pode ser considerado o grande álbum daquele ano mágico, mais devastador do que o antológico "Sargeant Pepper's" e um dos cinco maiores LPs de rock em todos os tempos.

O melhor álbum dos Doors é sempre o que está tocando na nossa cabeça, seja a coletânea de hits The Doors, o clássico L.A. Woman ou um pirata australiano como The Doors Archive (o som é ruim mas as performances são do balaco). A obra-prima de 67, que fundiu todos os circuitos do produtor Paul Rothschild, tem o mérito de apresentá-los em estado bruto: a guitarra fluida de Robbie Krieger, a bateria segura porém jazzística de John Densmore, o teclado de fundo-de-garagem - cósmica em que Manzarek dedilha contrapontos e os urros, gritos primais, deboche, sofrimento e poesia das esferas de Morrison. Tudo isso gravado em quatro canais!

O negócio dos Doors era hard rock com sobretons psicodélicos. Nos improvisos, viraram uma banda de blues elétricos que ficaria à vontade em qualquer madrugada de bar. Jim tirava algumas de suas letras de Nietzsche, o lúcido mais louco da história do pensamento humano. Combinava Nietzsche com um pouco de psicologia e uma série de grandes images - mar, sol, terra, monte. Esta era a terapia que recomendava ao público fascinado: vamos ser mais reais (uma de suas primeiras canções é "You Make Me Real"), cortar os laços com o establishment, nadar nas emoções, sofrer uma morte e renascimento simbólicos, e prosseguir como novos seres, livres do pesadelo da História e dos traumas pessoais.

The Doors tem desde um feroz "blues de homem branco" ("Back Door Man") ao hino de uma geração inteira ("Light my Fire"), com seu imaginário baseado nos elementos vitais e a antológica progressão clássica do órgão de Manzarek, passando pelas intimações poéticas de "Moonlight Drive". Mas o bombardeio de napalm na psique é mesmo "The End".

"The End" é o drama edipiano de Morrison expurgado em vinil. É o fim de todas as regras, "planos elaborados", o fim "da escuridão e das luzes suaves", quando Morrison toma uma carona no "ônibus azul" da psicodelia, mata o pai e transa com a mãe, enquanto os Doors, no fundo, constróem uma paisagem sonora alucinógena orientalizante. Depois do fim, seu inferno, Morrison viveu o purgatório: caiu no álcool pesado, virou paródia de si mesmo, produziu outras obras-primas em flashes de lucidez, foi a Paris perseguir uma fantasia literária e acabou morrendo em uma banheira aos 27 anos. Triste final. Mítico final. Heróico final.

Pepe Escobar

The Rolling Stones
Exile on Main Street (1972)

Naquele tempo eles já carregavam o título de "A Maior Banda de rock'n'roll do Mundo" como um peso-pesado que exibe seu cinto de campeão. Não havia mais Beatles, não havia mais Jim Morrison, não havia mais Hendrix. A única competição real era o rock operático do Who e o então ascendente Led Zeppelin. E, mesmo assim, ao vivo, os Stones eram imbatíveis - Jagger piruetando pelo palco, comandando um rugido-rock que era afiado e perigoso como o fio de uma navalha. Em disco, passavam por seu melhor período, parindo clássico após clássico - de "Brown Sugar" a "Street Fighting Man", de "Let It Bleed" a "Simpathy for the Devil". Embora o Sr. M. tivesse levado Brian Jones - que, enamorado demais pelas possibilidades "místicas" das drogas, já se mostrava incapaz de produzir um décimo de seu input habitual na banda -, os Stones da virada dos anos 60 para 70 progrediam, artística e popularmente, como uma bola de neve. Agora, sob o comando de Mick Jagger e Keith Richards, mais do que nunca os Stones mereciam o título de "A Maior".

Com a entrada do lírico Mick Taylor no lugar de Jones, os Stones saíam de uma trilogia de álbuns absolutamente brilhantes - "Beggar's Banquet" (ainda com Brian), "Let It Bleed" e "Stick Fingers" -, mas enfrentavam um novo/velho problema: drogas. Desta vez era Keith quem flertava com a morte, via heroína. Escondera-se numa villa no sul da França, Nellcote, para poder injetar um pouco de sanidade em sua vida. Mas sanidade era difícil de achar numa atmosfera rock e, ao invés dela, Keith acabou encontrando mais rock, e mais heroína.

Como Keith não saísse de Nellcote para coisa alguma, os Stones mudaram-se para lá para poder gravar seu novo disco, cujo título balançava entre "Eat It" e "Jungle Disease". Chamaram o saxofonista Bobby Keyes, o trompetista Jim Price e os tecladistas Nicky Hopkins, Billy Preston e Dr. John. Ficaram trancados em Nellcote de julho a novembro de 1971. Quando saíram de lá para Hollywood, onde complementaram e mixaram o disco, os Stones traziam nos braços material para preencher três álbuns.

Acabaram optando por um álbum duplo e por um terceiro título - "Exile on Main Street" - e ofereceram ao mundo o disco mais denso, mais pessoal, mais intrigante e mais controverso de toda a carreira dos Stones.

Quem ouviu "Exile" em 72 amou ou odiou o disco imediatamente. A maioria odiou, reclamou de "falta de foco", "mixagem lamacenta" e "encheção de lingüiça". Erraram e acertaram. Primeiro, porque tudo isso era intencional - a massa sonora de "Exile" só podia ser penetrada a facão. Os vocais de Jagger foram enterrados mais do que o costume. Os agudos foram saturados. E, segundo, porque a maioria das músicas era uma sucessão de Polaroids rock - images de decadência, dor, perigo, desilusão. E de sobrevivência.

Acima de tudo, "Exile" era um portrait dos Stones no topo de sua forma - faixas como "Tumbling Dice", "Rocks Off", "Soul Survivor" e "Rip This Joint" eram o testemunho de que, quando os Stones resolviam se reunir num estúdio para fazer rock'n'roll, faziam "O Melhor Rock Õn ÕRoll". Jagger explodia suas tripas em vocais insuperáveis até mesmo por ele. Richards e Taylor trocavam riffs como guerrilheiros na selva. Bill Wyman e Charlie Watts sedimentavam uma construção crazy com uma argamassa indestrutível.

Após "Exile" tornou-se impossível reunir todos os Stones num mesmo estúdio, ao mesmo tempo. E os álbuns subseqüentes retratavam este insidioso fracionamento. Depois de "Exile", salvo faixas excepcionais, como "Start Me Up" e "Undercover", os Stones eram um arremedo dos Stones. E Exile era seu melhor testamento. E o derradeiro epitáfio.

José Emílio Rondeau

Elvis Presley
The Sun Sessions (1954-55)

Como quase tudo no rock'n'roll, é uma história cercada de lenda. Sam Phillips, dono de uma gravadora em Memphis, queria "encontrar um branco com o som e o sentimento de um negro, para ganhar um milhão de dólares". Elvis Presley, um jovem aspirante a cantor, queria ter o melhor carro da cidade. O encontro dos dois assumiria uma dimensão mitológica. Mas não aconteceu facilmente. Tudo começou numa tarde do verão de 53. Elvis, 18 anos, chofer de uma firma de artigos elétricos, estacionou a caminhonete da companhia na sua hora de almoço em frente da Memphis Recording Service, uma subsidiária da gravadora Sun, de Sam Phillips. Ali, pagando quatro dólares, qualquer um podia gravar qualquer coisa num disco de acetato de dez polegadas. Quem cuidava do serviço para Sam era Marian Keisker, ex-Miss Rádio de Memphis, que ficou impressionada com a voz de Elvis. Marian pegou o endereço e o telefone do rapaz. E o recomendou vivamente ao patrão, que acabou ouvindo Elvis. Os sentimentos de Phillips em relação a Elvis eram ambivalentes. Acreditava no seu potencial, mas não conseguia acertar com ele. Apresentou-o ao guitarrista Scotty Moore e ao baixista Bill Black e fez que iniciassem um verdadeiro laboratório Presley. Finalmente foi marcada uma sessão para 5 de julho de 1954. Corria tudo morno, como de costume, até que, num dos intervalos, Elvis começou a brincar com uma versão envenenada de um blues de Arthur 'Big Boy" Crudup, "That's All Right (Mama)". Sam sentiu aquele estalo e gritou da cabine: "Que é que vocês estão fazendo?" Um dos músicos respondeu: "Sei lá..." Sam ordenou: "Então descubram. Vamos rodar de novo!" O resultado foi o que um rockrítico definiu como "a Pedra de Roseta do rock'n'roll".

A associação de Elvis com Sam Phillips durou 16 meses, até novembro de 1955, quando a Sun Records vendeu o cantor para a RCA por 40 mil dólares. Sam não conseguiu o seu milhão de dólares, mas teve a glória de figurar no centro de uma verdadeira revolução cultural.

Já Elvis, com as luvas do contrato, comprou o primeiro de uma frota de Cadillacs. Desta breve e insólita colaboração nasceu este punhado de canções que a RCA, muito tempo depois, reuniria num LP com o título de The Sun Sessions. Está tudo ali. A fusão ideal das duas grandes correntes sonoras - a branca e a negra, o country & western e o rhythm & blues - num estilo único, o rock'n'roll. Estão ali o Elvis roqueiro, o Elvis caipira e o Elvis pop, o cantor romântico, às vezes até meloso, que arrebatava os corações carentes de todas as latitudes, de todas as idades. É curioso ouvir, numa canção como "I'm Left, You're Right, She's Gone", os Beatles dos primeiros tempos; é intrigante captar, em "I'll Never Let You Go", a sensibilidade vocal lancinante do Lennon da fase pós-Beatles.

Como escreveu Albert Goldman, "20 anos antes, os músicos de jazz estavam fazendo o mesmo truque, tocando canções da maneira convencional e depois improvisando sobre elas. Vinte ou trinta anos antes do swing, o truque era o ragtime. O que Elvis fez nas sessões da Sun foi repetir instintivamente aquele processo de inovar a música recarregando o seu ritmo de um modo que tem caracterizado cada revolução estilística na história da música popular do século vinte. É isso que dá às sessões da Sun sua qualidade arquetípica."

Uma faixa resume particularmente a vitalidade deste som que marcaria a nossa época. É "Good Rockin' Tonight", com o baixo na marcação do boogie e a guitarra já saindo de suas funções meramente rítmicas para se alçar aos solos que aliciariam toda uma geração, enquanto Elvis faz o anúncio: "Well, I heard the news, there's good rockin' tonight."

Roberto Muggiati

Yes
Fragile

Lançamento: 72. Produção: Yes e Eddy Offord. Faixas: "Roundabout", "Cans And Brahms", "We Have Heaven", "South Side Of The Sky", "Five Per Cent For Nothing", "Long Distance Runaround", "The Fish", "Mood For A Day", "Heart Of The Sunrise". O disco marca o início da colaboração do designer Roger Dean com o Yes. Ele criou um pacote visual para o grupo, incluindo das capas de discos aos cenários e iluminação dos shows. Foi uma espécie de "sexto integrante", mantendo a coesão das images do Yes até nos trabalhos solo dos integrantes. Na turnê americana de Fragile, o Yes fez vários shows abrindo para o Black Sabbath, de quem Wakeman era colaborador.

Em meados de 71 o rock progressivo estava na moda na imprensa britânica: eram os "alternativos" da ocasião. E o Yes chamava a atenção da mídia por ter trocado o tecladista Tony Kaye por Rick Wakeman, ex-músico do estúdio, de curta passagem pelo grupo Strawbs.

Fragile, que saiu em 4 de fevereiro de 72, traz quatro faixas em arranjos coletivos do grupo e cinco solos. Wakeman se apresenta com um arrajo de um movimento da Quarta Sinfonia de Brahms, um exercício de substituição de timbres na era do sintetizador analógico (à moda de Walter Carlos). Jon Anderson se esmera em suas letras que só valem pela sonoridade em "We Have Heaven". Howe e Chris Squire exibem seus dotes ao violão e baixo, respectivamente, o baterista Bill Brufford indica que já andava com a cabeça em outros campos em sua faixa, "Five Per Cent For Nothing".

"Fragile" representa o ponto mais delicado do equilíbrio entre as figurinhas difíceis que formaram o Yes. Foi instituído um esquema de discussão de cada detalhe dos arranjos. A postura "hippie-chique" de Anderson, Squire e Howe era a que casava melhor com a proposta. Com anos de academia e estúdio, Wakeman se adaptou ao sistema, apesar de estar mais interessado no estrelato pop. Para o jazzista Bruford, tocar sem improvisos era uma camisa-de-força artística.

O álbum também indica o ponto em que se encontram o Yes pop e experimentador dos primeiros discos com a banda profissional mas auto-referente dos anos seguintes.

A faixa "Roundabout" é um exemplo disso. Ela mantém-se acessível aos ouvintes de outras correntes do rock porque é fiel à estrutura do pop inglês do final dos anos 60, adicionando ornamentos característicos de background musical dos integrantes do grupo.

"Roundabout" tem uma levada pop que alterna às intervenções de inspiração erudita de Howe, tudo ligado pela refinada base harmônica de Wakeman, também muito preciso na escolha de sons de seu arsenal de teclados. Lá pela metade a música desvia para um "heavy caribenho", chance para Bruford mostrar suas habilidades. "South Side Of The Sky" repete a mesma idéia, só que experimentando um som mais pesado, enquanto "Heart Of The Sunrise" carrega nas passagens dramáticas. Só "Long Distance Runaround" mostra uma construção diferente, com dois temas que se alternam até Chris Squire abrir seu solo, " The Fish".

O Yes mostrou em Fragile o que os jovens ingleses de classe média, treinados em conservatórios, poderiam fazer no rock sem fugir muito do entretenimento. Daí por diante eles começaram a se levar muito a sério. Se o rock progressivo tinha algo de bom, era a liberdade de ousar misturar qualquer tipo de informação musical. Fragile foi a chance do Yes de encontrar seu ponto certo nessa mistura antes de envelhecer.

Marcos Smirkoff

Beach Boys
Pet Sounds

Lançamento: 1966. Produção: Brian Wilson. Faixas: "Wouldn't It Be Nice", "You Still Believe In Me", "That's Not Me", "Don't talk (Put Your Head On My Shoulder)" , "Lets Go Away For Awhile", "Sloop John Be" . "God Only Knows", "I Know There's An Answer", "Here Today", "I Just Wasn't Made For These Times", "Pet Sounds" , "Caroline No".O álbum dos "Sons de Estimação" de Brian Wilson atingiu o 10º lugar nas paradas. As sessões de gravação ainda incluíram "Good Vibrations" - que rendeu um compacto de ouro aos BB. A música acabou entrando em "Smiley, Smile" (67), que aproveitou faixas do lendário e inacabado "Smile". A reeedição em CD de Pet Sounds acrescentou três faixas bônus: "Unreleased Backgrounds", "Hang On To Your Ego" e "Trombone Dixie" .

Era o começo dos anos 60 e os Estados Unidos viviam o seu apogeu. A California era o estado mais rico da nação, um dos melhores lugares do mundo para se viver, e os Beach Boys eram os reis da surf music. Apesar de mal saberem nadar - só o baterista Denis Wilson era surfista - nunca uma banda foi tão associada a um estilo musical como os Beach Boys. A despeito de nunca ter pisado numa prancha de surf, ninguem escrevia temas ensolarados sobre o mar da Costa Oeste, garotas e dragsters velozes melhor do que Brian Wilson.

Além dele e Dennis, compunham a formação original o irmão caçula dos Wilson, Carl (guitarra), o primo Mike Love (vocais) e o amigo Al Jardine (guitarra). Vendendo milhares de cópias e combatendo a invasão britânica nas paradas americanas, eles viraram até orgulho nacional.

Mas isso durou até 65. No ano seguinte a igenuidade da era dourada do rock'n'roll havia acabado. A guerra do Vietnã era iminente, a liberação sexual tornava-se realidade e o psicodelismo despertava. Quando Brian Wilson resolveu parar de falar do sol da Califórnia e começou a dissertar sobre angústias existenciais, os fãs e a crítica estranharam, mas a história do rock mudou para sempre. Rompendo com o rock'n'roll fácil dos primórdios e fortemente influenciado pelo álbum Rubber Soul, dos Beatles, o multi-instrumentista Brian criou um dos mais importantes discos de todos os tempos, "Pet Sounds". O trabalho influenciou diretamente outra obra-prima - "Sgt. Pepper's". Ambicioso e perfeccionista, o mentor dos Beach Boys queria fazer arte e não apenas pop songs, almejando produzir o melhor álbum já feito, buscando inspiração no coração, na alma e até em Deus - já que para ele a música era voz divina. Mesmo com os parcos recursos da época , o resultado foi uma obra requintada e barroca com intrincadas hamonias vocais, arranjos complexos e sutis e escalas inusitadas.

As gravações do disco incluíram efeitos inventivos com vozes, sons de animais, buzinas, trens e também percussão exótica - no caso, garrafas vazias de Coca-Cola e latas de sorvete. Além disso, "Pet Sounds" marcou pelo uso pioneiro do sintetizador em "I Just Wasn't Made For These Times". As transformações prosseguiam: as letras - com a colaboração do compositor Tony Asher - falavam sobre amor e esperança (em "Wouldn't It Be Nice"), misticismo ("God Only Knows", canção preferida de Paul McCartney) e a perda da inocência ("Caroline No"). Pets Sounds é um trabalho precursor e conceitual, mas acessível. Alternando dor e alegria, mescla melodias pop e emocionais com faixas orquestrais e - por que não dizer? - progressivas.

Atingido a ápice criativo, os Beach Boys ainda ameaçaram fazer mais um álbum capital - o abortado "Smile", que nunca foi terminado devido a problemas pessoais de Wilson. Daí para frente, o envolvimento com drogas ocasionou a decadência do grupo. Mas a lenda dos "Garotos Da Praia" já estava firmada. Que o digam Ramones, Jesus and Mary Chain, Pixies etc.

Sérgio Barbo

The Beach Boys
Pet Sounds(1966)

Imagine o início dos anos 60 na desbundada Califórnia. Uma turma de adolescentes que acreditava no sonho, na paquera e na inocência de um beijo vermelho. A praia. As pranchas. O biquíni. Os flipantes filminhos com Frankie Avalon e Annette Funicello. As festinhas embebidas em lilás. As carangas envenenadas. A aventura do rock'n'roll e a lágrima do rock ballad. E aquela loirinha que não queria nada com ninguém. Em meio a essa deliciosa atmosfera é que nasceram os Beach Boys, um dos mais influentes e legendários grupos da pop music. Formado em 61 pelos irmãos Wilson (Brian, Dennis e Carl), o primo Mike Love e Alan Jardine, eles gravaram mais de trinta LPs, deixando uma vasta influência que vai desde Beatles a Ramones.

Ao lado de contemporâneos como Jan and Dean, The Hondells e The Surfaris, inicialmente, ficaram conhecidos como os reis da surf music, que nada mais era senão o espírito da época unido aos mais simples acordes de rock'n'roll, boas doses de doo-wop e balada e um gostinho de paixões platônicas derramadas em melodias definitivamente rockmânticas. Sob esta concepção os Beach Boys realizaram onze álbuns, sendo que os quatro primeiros são inteiramente de surf music. Os sete LPs seguintes continuam nessa linha em um tom mais pop. Aí vem o disco em questão. A água divisora na carreira do grupo. O fim de todo um ciclo. Acima de tudo, o mais polêmico.

Para uns, "Pet Sounds" significou a maturidade e o desfecho do lado "alienado" e das tonalidades do fresh surf rock. Porém, para outros representou a morte do grupo. A verdade é que nesse disco os "moleques da praia", realmente, mudaram de forma radical suas características primordiais. Afinal de contas, os tempos eram outros. O final de 66 indicava grandes mudanças. Guerra à vista, início do psicodelismo, liberação sexual, drogas e posicionamentos políticos eram alguns dos fatores que se chocavam com a "antiga" alegria e os sonhos azuis da banda. Além do mais, o egocêntrico Brian Wilson queria fazer algo bem melhor que os Beatles. E fez, pois este LP precedeu "Sergeant Pepper's...", onde consumou-se a já citada influência nos meninos de Liverpool.

"Pet Sounds" é uma resposta a eles mesmos, uma prova de fogo que, em outras palavras, demonstrou que eram capazes de fazer um disco com letras profundas, instrumentação avançada e ruptura com os moldes que estavam em voga. É também o LP que inicia a trilogia da excentricidade progressiva-psicodélica que tem sua continuidade em "Smiley Smile" e "Wild Honey". Excetuando a faixa "Wouldn't It Be Nice", que ainda entrevê a felicidade conjugal, as outras, num tom confessional, são entrecortadas por lamentos, abandono e angústias. Uma reflexão de caráter sentimental, contudo adornada por "novos" elementos tais como as experiências com as drogas, a meditação transcendental e as coloridas visões do misticismo.

Acima de maiores suspeitas, provaram que, além de exímios músicos, eram inventivos e, como toda banda que se preze, mergulharam no plano das ousadas transformações. As harmonias vocais reapareceram muito mais trabalhadas. As estruturas musicais escapavam com muita facilidade os arquétipos convencionais. Sob a produção fanaticamente requintada de Brian Wilson, surgiram novidades como a inclusão de instrumentos de sopro, intromissões orquestrais, teclados com timbres peculiares, percussões diversas (não faltando sininhos e berimbau), flautinhas aciduladas e arranjos complexos e sutis. Enfim, um misto de nuances bizarras e desolação do coração, de psicodelia e sintomas progressivos, de experimentalismo e os santificados, eternamente imperdíveis fluidos do rockÕ n' roll.

Fernando Naporano

The Who
The Who Sell Out (1967)

Na definição de Pete Townshend, eles eram no começo "meramente caras com narizes grandes e genitais pequenos tentando estar nas manchetes". OK, mas eram mods, com suas roupas impecáveis e ar invocado, membros de um grupo da juventude britânica que afirmava sua personalidade através de um modo estilizado de se vestir, de um comportamento intempestivo, das gírias e, é claro, das preferências musicais - o soul da Motown e Stax.

Foi nesse ambiente onde circulavam no final de 63, ainda com o nome The High Numbers, que foram descobertos pelos então cineastas Kit Lambert e Chris Stamp. A dupla decidiu empresariá-los e, para isso, trocou seu nome pelo que usavam anteriormente - The Who. O próximo passo foi realçar a aura da rebeldia e violência que impregnava suas apresentações. Assim, Townshend - que já impressionava por suas incríveis peripécias no palco - passou a deixar um rastro de guitarras destruídas por onde o grupo tocava, assim como Keith Moon literalmente demolia o seu kit de bateria após cada show. O complemento ideal era garantido pela técnica calculada do baixista John Entwistle e a presença e voz potente de Roger Daltrey.

Ao longo de 65, surgiriam os primeiros compactos da banda, clássicas composições de Townshend, como "I Can't Explain", "Anyway, Anyhow, Anywhere" e "My Generation", que, ao lado do álbum de estréia - My Generation -, os consolidaria como uma das sensações do rock britânico. No ano seguinte, uma nova sucessão de compactos, o segundo LP - A Quick One - e uma arrasadora tour pelos EUA projetaram definitivamente o nome daquele bando de malucos que tocavam incrivelmente alto, detonando os equipamentos e mesmo os hotéis por onde passavam. Eles estavam nas manchetes.

De volta à Inglaterra, o Who começou a preparar o terceiro LP, com a principal preocupação de abordar o relacionamento entre sua música e os meios de divulgação e consumo a ela associados. O resultado foi The Who Sell Out, que já revelava suas intenções a partir da capa: os quatro membros do grupo em anúncios (Pete com um desodorante, Roger mergulhado em feijão enlatada, Keith com um creme antiacne e John promovendo um curso de musculação). A banda assumia que era só mais um produto à venda.

Musicalmente, o LP foi concebido como se fosse um dos programas das rádios piratas que na época proliferavam em solo inglês, com as canções intercaladas por jingles e anúncios diversos. Desde a abertura, com o psicodelismo de "Armenia City In The Sky" (composta por Speedy Keen) até a longa canção final, "Rael (1 and 2)" - que prenunciava as óperas-rock que se seguiriam -, ficava claro que Townshend direcionava o Who para outras aventuras sonoras, além de suas obsessões mod. Músicas como "Tattoo", "I Can See For Miles" e, especialmente, a etérea "Our Love Was, Is" mostravam uma natural expansão da musicalidade do grupo, sem nunca perder contato com suas raízes.

Esse processo alcançaria a consagração popular com Tommy (68) - um fantasma que iria acompanhar a banda pelo resto de seus dias - e resultaria em mais dois álbuns essenciais: WhoÕs Next (71) e Quadrophenia (73), este um derradeiro tributo à geração mod. A partir daí, apenas mais dois LPs menos expressivos até a morte de Keith, em 78. Os discos e comebacks realizados desde então só serviram como um triste e interminável epitáfio para uma carreira tão gloriosa. Uma pena.

Celso Pucci

Jeff Beck Group
Truth (1968)

Swinging London, 1968. Em um cenário musical efervescente, dominado pelas cores psicodélicas dos Beatles em Sgt. Pepper's - lançado no ano anterior - e das guitarras delirantes de Hendrix e Syd Barrett, surge outra referência capital para os futuros rumos do rock: Truth, um disco com profundas raízes no blues e no soul, mas ao mesmo tempo embebido do espírito alucinado da época. A principal ferramenta utilizada para forjar o tesouro foi a guitarra paranóica de Jeff Beck.

Autodidata, egocêntrico, pioneiro, temperamental, maníaco - muitos foram os adjetivos usados para tentar qualificar esse autêntico anti-herói da guitarra. Porém, todos eles acompanhavam um único substantivo: gênio. Tudo começou quando Beck - por recomendação de Jimmy Page - foi chamado para substituir Deus - ou seja, Eric Clapton, um dos mais conceituados guitarristas da época - nos célebres Yardbirds.

Beck esteve no grupo por pouco tempo e, ao deixá-lo, conheceu o produtor Mickie Most, que o convenceu a formar uma banda e a gravar três compactos. Beck então convocou Rod Stewart e Ron Wood, ambos figuras emergentes no panorama musical. O primeiro - ex-futebolista -, um cantor que nutria uma infinita admiração por Sam Cooke e possuía um timbre vocal personalíssimo; o outro, um inquieto baixista que posteriormente se tornaria guitarrista dos Faces e dos Stones. Para completar o time, o baterista Aynsley Dunbar, logo substituído por Mick Waller. A banda empreendeu uma turnê americana, como suporte do Cream. Sucesso total, para ambos os grupos: Beck e Clapton foram aclamados incondicionalmente.

De volta a Londres, Beck e sua banda gravaram o primeiro LP. A guitarra de Jeff tinha conseguido encontrar um perfeito complemento na carismática rouquidão da voz de Rod. Além disso, a banda havia incorporado a virtuosa bluesy do piano de Nick Hopkins, o "sexto" Stone.

Resultado: um repertório impecável, executado magistralmente. Na contracapa, as faixas imodestamente comentadas, uma a uma, pelo próprio Beck. O disco começa com a paulada de "Shapes of Things", um hit dos Yardbirds rearranjado por Jeff. Continua com "Let Me Love You", um blues de Rod, no qual voz e guitarra travam um inesquecível diálogo que parece se estender na balada "Morning Dew". Seguem-se o blues "You Shook Me", de Willie Dixon, recomendado por Beck para se ouvir "furioso ou chapado", e a pungente interpretação de "OlÕ Man River", com Jeff no baixo e John Paul Jones, futuro baixista do Zeppelin, no órgão.

"Greensleeves", uma famosa canção tradicional, serve de prelúdio ao outro lado do LP, numa sutil intervenção acústica. Na seqüência, "Rock My Plimsoul" - uma música de Rod que já havia sido lançada anteriormente, aqui numa regravação aprimorada - e "BeckÕs Bolero", um memorável número instrumental de autoria de Jimmy Page, envolto numa sinfonia de guitarras e violão. Depois, "Blues de Luxe", uma preciosa gravação ao vivo pontuada pela técnica e o feeling dos solos de Jeff e Nicky. Para encerrar, "I Ain't Superstitious", outra do bluesman Dixon, na qual Beck confessa em suas próprias palavras (e notas musicais) ter se apropriado dos riffs de outra fera do blues, Howlin' Wolf.

Mestre incontestável na ampliação dos recursos da guitarra elétrica e na utilização de efeitos e pedais, Jeff Beck em Truth encontra-se no auge de sua criatividade. Talvez alguém afirme que prefira as fases posteriores do guitarrista dos guitarristas. Quanto a mim, fico com a época em que Beck ainda não tinha se alojado sob a sombra de John McLaughin e nem se contentava em se autoparodiar. Verdade.

Celso Pucci

Queen
A Night at the Opera (1975)

Rock como objeto de culto. Disco como conceito, grande arte. Foram desvios inesperados - e, pensando bem, um pouco ridículos - para um tipo de música desencanada que começou animando bailinhos teen.

Mas os anos 70 foram mesmo inesperados, e todo mundo que cresceu nessa época é meio esquisito. Não vejo a hora de elegermos nosso primeiro presidente da República... alguém que saiba quem é o Space Ghost e tenha sonhado com uma calça Topeka.

De qualquer forma: se essa pretensão roqueira toda se justificou alguma vez, foi na primeira metade dos 70. Dark Side Of The Moon, Physical Graffiti, Ziggy Stardust - naquela época gigantes caminhavam sobre a Terra, ou assim parecia.

Dentre esses inesquecíveis pedaços de plástico, nenhum alcançou a sobrevida de A Night At The Opera. Porque o Queen nunca parou de produzir, porque mudou de estilo, porque eles eram imensos no palco, porque Freddie Mercury foi o primeiro superastro a morrer de Aids, porque...

Principalmente, acho, pela variedade. Opera tem um pouco de tudo para todos. Metal cromado ("I'm In Love With My Car"), vingativo ("Death On Two Legs") e burro ("Sweet Lady", a coisa mais Kiss que o Kiss não fez). Brilhantes baladas: a alegrinha "You're My Best Friend", a quase country-épica "39" e, mama mia, "Love Of My Life". Cabaré variado: "Seaside Rendezvous", "Good Company", "Lazing On A Sunday Afternoon". Um épico progressivo "viajante", "The Prophet's Song". E coisas indefiníveis e emocionantes, como a peça central do disco, "Bohemian Rhapsody".

Art rock era isso: tudo exagerado, ambicioso, superproduzido, bem escrito e incrivelmente bem tocado (no synthethizers!). Os quatro tocavam, cantavam, compunham. "You're My Best Friend" é de (e com) John Deacon, o baixista. "39" e "Good Company", a mesma coisa com o guitarrista Brian May, "I'm In Love With My Car", idem com o baterista Roger Taylor. Sem falar em Freddie. Que banda em atividade hoje tem tanta gente talentosa?

No Brasil, o "disco branco" do Queen marcou demais (o "preto", seguinte, é A Day At The Races; ambos os títulos tirados de filmes dos irmãos Marx). Junto com News Of The World, formavam a dupla tiro-e-queda de qualquer discoteca que se prezasse - porque Queen, naquela época e lugar, era sinônimo de rock; quem não gostava do Queen, boa gente não era.

E tinha boa gente pra caramba neste país - o suficiente para lotar o Morumbi, no primeiro megashow de rock a que o Brasil já assistiu. Não existiam telões, a trilha de Flash Gordon tinha acabado de sair, as garotas não usavam sutiã, os meninos usavam tênis All-Star e todo mundo sabia o repertório inteiro do show de cor.

Nós éramos os campeões. God Save The Queen.

André Forastieri